sexta-feira, 9 de março de 2012

Mário Mendes Junior

ESTRANHA HOMENAGEM


sábado, 24 de abril de 2010

No alvorecer do dia sete de julho de 1942, em Baturité, na residência do cliente, na Rua Quinze de Novembro, lado do sol, poucos metros acima da Rua Hildo Furtado, o contador dava os últimos retoques na Declaração do Imposto de Renda da NOVA AURORA, loja de tecidos, chapéus, camas, colchões e miudezas da Rua Sete de Setembro. O guarda livro era José Maciel, cunhado e primo do dono da casa e da loja o Mario Mendes.

Terminada a missão os dois se aproximam do rádio. Ansiosos. Sintonizados na BBC de Londres, eles queriam escutar as notícias da Guerra da Europa.

A transmissão, direta para o Brasil, estava quase inaudível, por causa dos chiados e da zoada, lá de fora, porque, em plena madrugada, os comboieiros, aos gritos, estralavam os chicotes nas traseiras dos jumentos.

Os pobres animais com pesadíssimos caçoares arriados em cada lado das cangalhas, sem ninguém para controlar excessos, escambichados com tanto peso, traziam da serra produtos agrícolas destinados à feira.

Lá de dentro, da casa, de repente, ouvem-se gemidos nervosos da dona da casa. Ela estava em procedimento de parto. Os gritos de dor superam todos os sons, até que o alarido, pouco a pouco vai sumindo, e, enfim, dá lugar ao choro forte do segundo filho.

Quando dona Maroca Maciel de Paiva, a parteira, trouxe o recém nascido, todo asseado, e vestido num jaleco branco, para os primeiros afagos do pai, foi José Maciel quem primeiro falou:

- Este vai ser contador!

- Disso, não sei – respondeu o pai -, mas seu nome será uma homenagem a mim mesmo, Mario Mendes Junior!



Mário Mendes Junior

Romualdo Pereira Lima

AS CURRIOLAS

29 de dezembro de 2011 

Quem teve o prazer de ler os comentários do Hugo Pinheiro, remédio valoroso para a memória de qualquer um, na certa se deliciou de ver lembrado tantas personalidades, então juvenis, do universo urbano, “lá de baixo” e “lá de cima”, de Baturité, sempre reunidos na Praça Santa a valorizar a criatividade mesma das brincadeiras, próprias dali, nos anos entre 1945 e 1951. 

Pesquisador percuciente Hugo Pinheiro, em primeiro lugar rende homenagem à sua turma representada pelos “lá de baixo”, moradores da própria Praça Santa Luzia da Praça Santa e adjacências, a saber: Gilson Viana Martins (o Quirrite), ao Francisco Rocha Victor (o Neném); aos irmãos Rainá e Souzinha (filhos do Sr. Napoleão e Dona Raimundinha); José Alfredo Pinheiro, o Mandioca, Hugo Pinheiro (ele próprio, o Aguía) estes dois, irmãos de numerosa família; ao João Viana, (o João Caravana); ao Paulo Rocha; ao Luiz (o Loló da Dona Lica), ao Leônidas, ao Figueiredo, o “Aviador”; aos Joacy Pereira Lima e Romualdo Pereira Lima (filhos do Sr. Leôncio do Bar); ao Heleno, da família Arruda; aos irmãos Ivanirton e Airton Garcia, da Rua de Trás; Lindenberg e Cleto (filhos do capitão Faraó); aos irmãos Edmar, Eliomar (o Chinês) e Raimundo Alexandre (o Lambe-Lambe), estes três, filhos do Sr. Clarindo, comerciante do mercado residente no Calçamento (assim era chamada a Avenida Dom Bosco); Carlos Bandeira irmão da Lalá; Chico Victor (o Chico do Zé Lopes), Fernando Simões, Joselí Viana e Pinheirinho. Da peraltice destaca o famoso Benedito Mosquito pelo costume que tinha, nos tempos de São João, de estourar bombas debaixo de latas. À mania perigosa, Benedito, ainda, acrescentava o toque de maldade. Ao acender o pavio com fósforo, estando o rojão a explodir, além da lata que, rapidamente, colocava em cima da bomba, além disso, ele deitava, em cima da lata, um sapo cururu para, mediante o estouro, vê-lo subir com lata e tudo. 

Dos menores “lá de baixo” – João Rodolfo Pinheiro; os irmãos, Mário Mendes Júnior (o Maninho), Pedro Alberto Mendes (o Bebeto); Marcelo Victor (Cabeça de Gato); Inácio (da Dona Lili Viana); Toinho, João Alberto, Zé de Deus, Luciano Santana, Aristóbulo, estes da Rua de Trás; por serem da raia miúdas todos eram simplesmente expulsos do patamar da igreja quando os maiores chegavam para brincar de RUBALÉ.
Da turma “lá de cima”, moradores das bandas da Rua Sete de Setembro, Rua Quinze, Avenida Proença, Praça da Matriz e seus arredores, memorialista, Hugo Pinheiro desenha o nome daqueles que não podia esquecer, dos amigos Zé Helder (o Jacaré);; dos irmãos Augusto, Luiz e Zezé Alves; dos, outros irmãos, João Batista, Bení e Ernani Furtado; Rômulo Barsi; José Ábner e seu irmão Carlos de Castro; os também, manos, Gil, Zoró e Múrcio Furtado; do José Olavo e Ernani Leal Dantas, os dois, irmãos da Tetê do Aedo e Maria do Carmo; do Juarez e Eurico Arruda, os irmão mais novos da numerosa família do Sr. Raimundo Arruda.

 Dos bandalhos “lá de cima” o destaque ficou por conta do Luzardo Sampaio rapaz que dava muito trabalho a seu pai (o legendário dono do bar José Sampaio) que castigava as traquinagens do filho com boa “surra” de cinturão. Como uma coisa é “mapiar à toa e outra é falar com tento” Aguía tirou da cartola das diabruras duas figuras antológicas no cenário baturiteense de seu tempo: – O Miguelzinho Arruda, grande intérprete da música italiana e portuguesa, artista obrigatório dos programas promovidos pelas irradiadoras locais com a animação do Olavo Peixoto; e – Diderot Franco, que ao se embriagar desdizia da razão rasgando dinheiro. Numa dessas, atitude de doido confesso, uma vez quando rasgou várias cédulas de “um mil cruzeiros”, teve que ser internado pelo pai, intelectual e jurista Augusto Franco, num hospital psiquiátrico.

Mário Mendes Junior.

Raimundo Raul Correia Lima

Raimundo Raul Correia Lima

29 de dezembro de 2011
Nos últimos anos da ditadura de Getulio Vargas, a 21 de fevereiro de 1944, chegou nomeado prefeito de Baturité, pelo então governador em exercício Dr. Andrade Furtado, o crateusense Sr. Raimundo Raul Correia Lima, trazendo consigo o currículo político com a experiência de ter sido, anteriormente, prefeito, também nomeado, de Aurora e Icó.
Homem modesto, de parcos recursos, para poder se mudar, foi-lhe concedido pelo estado o custeio do transporte da família, inclusive de suas vacas preparadas para embarque na estação de José de Alencar. As vacas serviam para fornecer leite os filhos pequenos.
Chegado a Baturité com a esposa e dois filhos – José e Ana Zélia – o prefeito hospedou-se no Hotel Canuto, isso porque não gozou do privilégio de morar na residência destinada aos prefeitos, porquanto sua nomeação não agradava ao manda-chuva Ananias Arruda dono da aludida casa.
A prefeitura Raimundo Correia recebeu das mãos do professor Tito, moço muito estimado, motivo porque, até, temeu desagradar aos munícipes a quem o antecessor muito aprouvera, contudo, munido de experiência, o novo mandatário enfrenta de cabeça erguida o desafio.
Dos funcionários imediatos, Joel Furtado, José Furtado, Lica e dona Stela, esta, logo deixou a secretaria, talvez, por fidelidade ao coronal Ananias. Efetivos, os outros, de maneira profissional, principalmente diante da regulamentação de carreira que passou a remunerá-los e promovê-los de acordo com a capacidade de cada um, mostraram-se satisfeitos, ainda mais, no dia em que todos os cinqüenta, receberam os dez meses atrasados pelos antecessores, isso, mediante festa com cerveja, banda de música e espocar de foguetes sob as expensas do município. Da qualidade dos funcionários Raimundo Correia louva-se de ter nomeado secretária-tesoureira a Antonieta Alencar, moça inteligente e operosa administrativamente, ao mesmo tempo traça elogios ao Bertulino, de quem acabou compadre e seu Costa, bom eletricista, a Vicente Gregório, subprefeito de Capistrano, trazido de Aurora, de Raimundo Cosme e do Braulino responsável pela limpeza das ruas usando carrinhos de mão e uma carroça.
Naquele tempo, verdadeira apoteose, organizado por Ananias Arruda, acontecia o Primeiro Congresso Eucarístico, fazendo vibrar a cidade, mergulhada em estado de graça, de tal modo que, da população, quem não sabia cantar pelo menos lhe assoviava o hino.
Vendo-se excluído, mas forçado por Andrade Furtado, o prefeito não pôde ficar indiferente diante do acontecimento, porquanto, mandou limpar a cidade providenciou iluminação mais eficiente, estimulou a população a pintar a fachada das casas, colocou o carro da prefeitura à disposição do congresso, mandou melhorar a banda de música, muito embora o Sr. Ananias já tivesse conseguido outra em melhor condição. Na estação do trem, junto às autoridades Dr. Germiniano Jurema, Juiz de Direito, Dr. José Rolim da Nóbrega, Promotor Público, e o Sr. Pedro Silvino, Delegado de Polícia, como Prefeito Municipal recepcionou Bispos, Padres e Seminaristas convidados e, no mais os saudou-os, em discurso, no qual lhes entregava a chave da cidade.
Da lavra de Raimundo Correia, o livro “MINHA HISTÓRIA, TRABALHO, RECORDAÇÕES E PECADO, na parte dedicada a Baturité, mostra quão foi atribulada sua primeira administração, principalmente, pelo perfilhamento versus ao prestigioso Comendador. Das futricas políticas o livro destaca aquelas que o próprio prefeito executava em desfeita ao prestigioso coronel, a saber:
Achou de mandar, como realmente mandou transferir o sargento Delegado da Cidade que, por ordem do comendador, quis suspender, sem sucesso, uma festa na casa do Juiz;

Mandou podar uns fícus benjamins. Daí, acusado de destruir a arborização, acusado pelo Comendador, foi intimado a “justificar a inépcia” junto ao governador.

Acusado de não praticar a religião católica, foi argüido, pelo próprio Governador Pimentel;

Desagradou o Comendador ao facilitar que certo senhor Galvão, exibisse na prefeitura uma peça teatral já proibida por aquele;

Cedeu salão na prefeitura ao poder judiciário hostilizado pelos antecessores.

Prolongou a iluminação elétrica até o Hotel Canuto, para em conseqüência beneficiar a casa do Juiz às escuras por questões políticas;
Finalmente, acabou com o tabu que não permitia que se dançasse nos salões da prefeitura.
Da vida particular Raimundo Correia conta passagens inesquecíveis: nascimento, a 29 de maio de 1945, do quarto filho Francisco; outra ao morar no Sobrado dos Maciéis quando curou a coqueluche dos filhos com tangerina e jejum; outras ao se mudar para a antiga residência do José Pinto do Carmo, foi surpreendido por um incêndio, em seguida debelado por amigos; ainda naquela casa teve um empregado preto de nome Luiz que comprava carnes em seu nome e uma empregada que matou um peru tentando curá-lo de uma doença com água e cal; no quintal da mesma casa possuía uma engorda de porcos para venda.

Da dívida pública herdada, maiores que dois orçamentos, estas foram pagas com muito sacrifício mesmo não devidamente reconhecidas. Das outras realizações ao cortar verbas que oneravam a prefeitura, melhorou a, sempre precária, iluminação pública; instalou no sítio da prefeitura, antiga casa de Pedro Catão um campo de demonstração agrícola e venda de mudas enxertadas; tirou dos pobres necessitados a obrigação de pagar uma dívida ativa que lhes impuseram os antecessores.
Em maio de 1945. Com todo Baturité comemorando a queda de Berlim, com muita festa e o comércio totalmente fechado, a frente de tudo e de todos Raimundo Correia, partidário do acontecimento, não obstante o seu grande conceito na cidade foi demitido da prefeitura sem aviso prévio.

Certificado de que Andrade Furtado referendou sua demissão levado por Ananias Arruda, passou a prefeitura para Edmundo Bastos e, logo em seguida, mudou-se para Fortaleza, isso, com a ajuda da maçonaria e de alguns amigos, pois, na ocasião lhe faltava, até, o dinheiro para o transporte.
Pasmem os de hoje diante da honestidade dos de ontem.
Mário Mendes Junior.

José Ricardo Silveira

O QUARTEIRÃO SUCESSO (III)

27 de setembro de 2011 

Entre o armazém do Toinho Cardoso e a sapataria São José de José Pinto Garcez no ponto com largura pelo menos o dobro de qualquer outra do pedaço, JOSÉ RICARDO DA SILVEIRA, sem qualquer tipo de especialização, negociava com tudo que podia existir dentro de um armazém. 

Das quantas histórias se contam da vida de JOSÉ RICARDO DA SILVEIRA poucas falam do pioneirismo que tanto sucesso lhe trouxe na luta cotidiana que o fez vencedor em todas as diversas atividades que atuou tanto no comercio, na indústria na agropecuária e na política.

Através do trem José Ricardo recebia de Fortaleza açúcar, gêneros, enlatados, corda cordão, sabão, querosene, gasolina etc., e no mesmo trem mandava para Capital café, milho, feijão couros de animais domésticos e silvestres, mamona, oiticica, castanha e outros produtos da fauna e da flora regional comprados ou trocados em escambo. 

Perdido no tempo, ninguém recorda como se dava o abastecimento de gasolina – puxada do tambor por torçal bombeado pela força pulmonar, o frentista fazia o retalho – lata ou meia lata – a despejar no tanque do veículo. 

Pioneiro do abastecimento semi-automático foi Zé Ricardo quem instalou, na Rua Sete de Setembro, em frente ao seu armazém, com a bandeira da Shell, a primeira bomba de combustível de Baturité.
Da bomba de gasolina do Zé Ricardo, conta-se, houve um começo de incêndio que não se propagou graças à argúcia do seu Lulu, dono do ônibus que, agilmente, arregimentou gente que ao lançar areia sobre as chamas evitou desastre maior.

Muito atrasado, até a primeira metade da década de 1950, o povo de maneira geral, principalmente os dos arrabaldes, não conheciam sequer um picolé. Os poucos que tivessem saboreado o doce gelado, na certa o fizeram durante o Congresso do Seu Ananias – ocasião em que algum maluco comprou a idéia de trazer picolé para revender no extraordinário evento religioso.
Da viagem, o picolé chegava numa lata cilíndrica, esta, por sua vez, dentro de uma caixa de madeira cheia de gelo, raspa de madeira e sal, coisas certas para manter gélida a temperatura que garantia a vida do artigo – sem derreter.
Acontece que com o balançar do ônibus, pela trepidação própria da estrada de barro, o sal do gelo salgava o picolé que deste modo perdia a qualidade de doce, mas não de gelado.

A cidade passou mesmo a conhecer o verdadeiro delicioso picolé, e não só isso, mas também sorvete, sanduiches, salgados, refrigerantes e cerveja gelada no ponto quando, noutra vez Zé Ricardo, como desbravador, resolve instalar a moderna sorveteria que tomou a metade do seu amplíssimo armazém, a mesma que durante algum tempo passou a ser o local muito freqüentado pela população de posse.

Ainda faz parte do pioneirismo do Zé Ricardo a primeira loja de peças de veículos. Montada na Travessa Mattos a loja de peças e pneus atalhava que os motoristas e mecânicos – Zé Raimundo e Zé Aristides – que antes se dirigiam a Fortaleza para adquirir componentes necessários nos consertos.

Na política Zé Ricardo, em 1950, induziu o grupo de comerciantes amigos – Mario Mendes, Mesquita Pinheiro, Zé Farias, Zé Francelino, Zé Bruno Maciel, Oziel Rabelo, Adauto Pinto – membros de uma excursão que fizeram a Paulo Afonso para lançar candidatura própria do PSP – Partido Social Progressista. Escolhido o candidato Dr. Álcimo Aguiar, este só não se elegeu por causa da inesperada união das forças políticas antagônicas – Ananias Arruada e João Ramos – para derrotá-lo.

Candidato de muitos pleitos à Prefeitura ficou marcado no folclore político da Cidade uma suposta passagem onde o Zé Ricardo chamado para o fechamento de uma campanha, em palanque, crente de que estava munido do discurso elaborado pelo filho Aedo, tendo a frente um microfone e uma multidão aguardando sua palavra, começou a procurar o “improviso” mexendo e remexendo os bolsos do paletó.
Sem conseguir encontrar o tal discursos, como realmente não encontrou, inadvertidamente como a boca colada ao microfone, falou:
- Pois não é que os Filhos da Égua do outro lado roubaram meu discurso!

O certo é que desta ou de outra vez realizou o sonho de ser prefeito. Aconteceu em 1966 quando foi conduzido pelas urnas ao comando do município durante o período compreendido entre 25.03.1967 até o mesmo dia e ano de 1971, ocasião em que deixou toda cidade agradecida pelo muito que realizou.

José Ricardo da Silveira e sua esposa Dona Lourdes, tiveram os seguintes filhos, Aedo, Aécio, Aélio, Mirian, Adilson, Franzé e Inácio dos quais tivemos oportunidade de conviver e ser amigo dos mais velhos. 

Mário Mendes Junior.

Leoncio Pereira Lima


O BAR DO LEÔNCIO

No quarteirão sul do mercado, entre as bodegas do Zé André e do Joaquim Traçáia, bem de frente ao Barracão das Carnes, o boteco do seu Leôncio era o ponto mais eclético de Baturité nos anos quarenta e cinqüenta. Pai de uma família enorme, cidadão branco, limpo e educado, o seu Leôncio chegara à Baturité, talvez, na companhia do irmão Abel Pereira, este trazido por Elias Salomão para gerenciar a sua Casa Síria na Rua Sete de Setembro, isto, por volta de 1932.
Como os outros estabelecimentos daquele pedaço de rua o boteco, também, compensava o desnível do piso de acesso ao mercado com dois batentes de pedra tosca na porta da frente.

Uma bacia de barro para mergulhar a louça usada, um escorredor de madeira para receber os copos enxaguados, e, mais, uma balança de dois pratos metálicos, três os objetos elementares no tipo de negócio, compunham o balcão de tampo de madeira que dividia o espaço interno em dois ambientes.
Do lado de dentro o fiteiro com carteiras de cigarros, Asa, BB, Globo e Astória, da Cia Araken, ou Continental e Hollywood da Souza Cruz; nas prateleiras somente bebidas tradicionais – conhaque de alcatrão, vinhos e quinado Imperial -, e as nativas cachaças, das quais a preferida era a Estrela; num canto, uma mesa rústica cheia de tira gosto, de frutas da estação ou salgados vindos de fora; noutro canto uma caixa de cerveja, de madeira, com as garrafas, casco escuro, deitadinhas uma sobre as outras, cada uma encamisada de palha, portanto, livres da claridade e do perigo de se quebrarem. Do lado de fora do balcão um ou dois viciados, quase sempre, sentados nos poucos lugares das mesas. Eles esmolavam a dose de cana, que repartiam com o “santo”, derramando o sobejo no pé do balcão, prática que, até hoje, empesta os ambientes do ramo com odor impregnado da “água que passarinho não bebe”.
Preferido na cidade, o raio do lugar agregava os comerciantes, políticos emergentes, ricaços donos de sítios e outros tipos diversos, todos atraídos pelo serviço perfeito do dono e, é claro, pela cerveja Bohemia, esfriada no alguidá debaixo do pote cheio d’água fria vinda pelo encanamento da serra. Naqueles tempos, geladeira, só na padaria do português Manoel Simões que não vendia bebidas alcoólicas.
Freqüentador dos mais extravagantes, o comunista filho de latifundiário, Heitor Maciel, conhecidíssimo por sua insolência de ateu convicto, ao descer da serra montado numa burra de nome Favela, ao se apear defronte ao bar, antes de começar a beber, ordenava ao Leôncio que servisse à animália quatro garrafas de cerveja derramadas numa bacia. A mula depois de se saciar, lambia os beiços sem disfarçar o enorme prazer de sorver o líquido, para muitos, não indicado para animais de sela. 

Mário Mendes Junior.

domingo, 4 de março de 2012

Francisca Clotilde

A Árvore


Francisca Clotilde



Ao contemplá-Ia, triste emurchecida,

Os galhos nus, de folhas despojados

Sem a seiva que outrora tanta vida

Lhe trazia em renovos delicados;



Ao vê-la assim tão só, tão esquecida,

Tendo gozado dias tão folgados,

Ao som dos passarinhos namorados,

Que nela achavam sombra apetecida;



Ai! sem querer encontro semelhanças

Entre meus sonhos, minhas esperanças

E a mirrada árvore dolente.



Ela perdeu as folhas verdejantes,

Bem como eu as ilusões fragrantes

Que outrora me embalavam docemente.



...





Francisca Clotilde Barbosa Lima nasceu nos Inhamuns, a 19 de outubro de 1862, e faleceu em Aracati, em 1932.

Professora da Escola Normal de Fortaleza e diretora do externato "Santa Clotilde", que funcionou em Fortaleza, por três anos. Passou, depois, a residir em Aracoiaba, Baturité e Aracati, sempre dedicada ao ensino.

D. Francisca Clotilde foi jornalista, poetisa, dramaturga, escritora, sobressaindo-se em todas as províncias do pensamento com marcante atuaçâo.

Jornais, revistas, almanaques, do Estado, do país e do estrangeiro publicaram trabalhos seus, que andam por aí esparsos.

BIBLIOGRAFIA

COLEÇÃO DE CONTOS, 1897, Fortaleza, com prefácio de Tibúrcio de Oli¬veira; NOÇÕES DE ARITMÉTICA, Fortaleza, 1889; A DIVORCIADA (romance), Fortaleza, 1902; FABÍOLA (drama em 3 atos).

Ao que nos consta, deixou alguns trabalhos inéditos.

CRÍTICA E REFERÊNCIAS

Barâo de Studart (Dic. vol. prim., pp. 279-280; A. Sales (Dic. Bist. Geog e Etn. Brasileiro, artigo "Mulheres escritoras", p. 27); A República, 1902; Província do Pará, 1898; Cruz Filho (Bist. do Ceará); Dorgoval de MeIo (Mercantil, P. Alegre,