terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Coisas do Além - Mário Mendes Junior


COISAS DO ALÉM
                        Mario Mendes Junior

            A interessante estória abaixo a tirei de um e-mail recebido do amigo conterrâneo João Alberto Figueiredo. Ela gira em torno dois tipos populares ainda contidos no inconsciente coletivo da urbe: o bodegueiro Zé Pinto e o Carpinteiro Zé Vicente.
            Zé Pinto morava pros lados da Igreja Matriz. No mercado público sua bodega ficava vizinha ao portão do lado da Rua 15 de Novembro, em frente à Padaria Portuguesa do Sr. Manoel Simões.  
            Zé Vicente residia na vila operária construída pelo Sr. Ananias Arruda, no Bairro do Labirinto. Tinha carpintaria no centro, na travessa lado sul da Igreja de Santa Luzia, vizinho ao Genésio, mecânico soldador, cuja oficina ficava na esquina com a Rua Senador João Cordeiro.
            No inicio da primeira metade do século passado apesar de figurar no rol dos 10 municípios mais progressistas do Brasil, naquele tempo, em Baturité, quando morria alguém do “povão” os atinentes restos mortais eram conduzidos para o cemitério em redes. Dos mais arranjados os corpos eram levados para o campo santo em caixão emprestado pelo Círculo Operário. Desta opção, sobrevinha ao defunto, o infortúnio de devolver o caixão. Deste a restituição harmonizaria o serviço para finado adjacente. 
            Para suprir o absurdo, notadamente quando da morte de quem a família pudesse lhe enterrar em caixão próprio, Zé Pinto encomendou à Zé Vicente para que lhe fornecesse seis caixões, tamanho adulto, verniz preto.   
            Ao receber a mercadoria agourenta, porém necessária, Zé Pinto, por escrúpulos, não se permitiu deixar nenhum caixão exposto. Preferiu estocá-los no forro da bodega.
            Terminado o intróito. Retornemos a estória do João Alberto:
            Certo dia, sua mãe pediu que ele fosse à bodega do seu Zé Pinto comprar açúcar. Deveria ter seus oito anos, aproximadamente. De pronto atendeu ao pedido, pois na oportunidade, com a caderneta de compras na mão, poderia comprar, também, alguns bombons já que não havia reclamação por isso.
            De calças curtas, alpercata de pneu comprada no Seu Leôncio, João Alberto chega à bodega do Zé Pinto, ambiente sempre escuro, mesmo com a claridade do dia. Com oito anos de idade, criança, mal podia alcançar, com o queixo, o balcão preto de sujo. Foi preciso esticar o pescoço para fazer o pedido. Primeiro o açúcar. Enquanto isso a boca já salivava para pedir os bombons… De repente, se arrepiou ao ouvir o barulho de coisa se arrastando no forro da bodega… Debaixo da penumbra do forro de pano mal cuidado, o arrepio aumentou quando escutou uma voz rouca a dizer:
            – Pode empurrar!
            Nessa altura quando João Alberto olhou de soslaio para cima viu um tremendo caixão preto, dos tais que todo menino morria de medo. Tentou sair rápido pela porta que dava para o lado de dentro do mercado… A mesma estava bloqueada com sacos… Correu então para a porta da rua onde exatamente, já em pé, se encontrava o caixão. Na santa inocência de criança: tinha certeza que lá dentro havia um defunto! O medo era tanto que sentia odor de cadáver… Desabou na carreira no rumo de casa. Nessa altura com os pés descalços… As alpercatas ficaram no primeiro impulso na carreira… Sem açúcar. Sem bombons. Sem caderneta. Sem nada… Com medo somente… Felizmente a porta do grande corredor da sua casa estava aberta quando chegou. Passou direto, foi parar no tanque dos altos, no final do quintal.
            Dona Puri, sua mãe, ao vê-lo correndo saiu junto com a empregada, às pressas, atrás do filho que não conseguia sequer puxar ar dos pulmões para chorar.
            – Pelo amor de Deus o que aconteceu, João Alberto! E cadê o açúcar e a caderneta? Perguntou-lhe a mãe.  
            – Eu vi, eu vi, e é verdade! Foram suas primeiras palavras.
            – Viu o que menino? O que foi que você viu? Perguntou Dona Puri jogando na cabeça do filho a água que não quis beber, porquanto ainda resfolegava.
            Quando a criança se acalmou, sua mãe já estava quase se aborrecendo, pois não via nada no filho. Nada no seu corpo que justificasse aquilo tudo…
            Então, já mais calmo, ele contou:
            – Mamãe, seu Zé Pinto guarda gente morta em cima da bodega!
            Na visão e no entender da criança o caixão tinha gente dentro, e se estava dentro do caixão, estava morto!  Isto se constituiu um rebuliço. Dona Puri não entendeu a história do filho porque, ela não sabia que Zé Pinto vendia caixões. Caixões que já tinha pronto escondido no sótão da bodega.
            Depois de tudo, mesmo convencido de que não havia ninguém dentro do caixão João Alberto nunca quis pisar na bodega do seu Zé Pinto! Ao andar por ali, passava pela calçada do outro lado.


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