Baturité, os Antigos Moradores do Sobrado
José Alci de Paiva
(De São Paulo, 20 graus) Os primeiros moradores do sobrado do Dr. João Ramos
Filho, em Baturité, foram naturalmente seus construtores Manuel Dutra de Souza
e sua mulher D. Clementina de Queirós Sampaio Dutra, esta, por sinal, detentora
de nobre tradição familiar repousada na família Queirós, de larga projeção no
cenário sócio-político da então Província do Ceará, e da honrada e não menos
ilustre família Sampaio, que deu ao Exército Brasileiro e ao Brasil o insigne
general Sampaio.
Por morte de Manuel Dutra de Souza e sua mulher, a fortuna do casal teria sido
distribuída, parte com uma única filha do primeiro leito, casada com Tomás de
Castro e Silva, e, outra parte, incluindo sítios, fazendas e o sobrado, coube
ao seu filho Alfredo Dutra de Souza, que veio a casar com D. Amélia Pinto de
Mendonça Dutra.
O coronel Alfredo Dutra, como era geralmente chamado, não possuía os dotes
comerciais do pai. Era o que se poderia chamar um pequeno fidalgo, bem aprumado
em termos vindos da capital, perfeitamente ciente da sua posição de destaque na
sociedade baturiteense, com decisiva influência na política local. Dava-se ao
luxo de boas leituras, daí ter-se constituído num autodidata lido e corrido na
língua francesa, com bons conhecimentos de Agronomia, Física e Química,
História e Geografia, rudimentos de Direito, Medicina, Farmácia e Astronomia.
Herdara do pai o prazer de dar banquetes e oferecer festas dançantes.
Chegava mesmo a ser um orientador político, mas, faltando-lhe as qualidades
econômicas do pai, os negócios se lhe foram pouco a pouco de águas a
baixo. E talvez o desfecho econômico tivesse sido ruinoso, não fosse a
ajuda moral e material do genro João Ramos Filho, cujo casamento com sua filha
Adelaide não fora, aliás, do seu agrado.
Cabe aqui um parêntese necessário. O Dr. João Ramos Filho, era um dos filhos do
comerciante João Ramos, ajudando o pai na sua loja localizada onde mais tarde
foi a loja “As Variedades” de Pedro Mendes Machado. Em termos econômicos, era
um rapaz pobre, de quem não seria de se esperar o casamento com uma moça rica.
E a isso parece que se agravava o fato do o Dr. João Ramo se haver recentemente
formado em Direito e regressado a Baturité com o título mais ou menos inútil de
advogado. O Coronel Alfredo Dutra acabara de casar bem outra filha, com grande
pompa, e tudo indica que não concordaria absolutamente com o casamento de sua
filha Adelaide com o jovem advogado, se não fosse a intervenção do comerciante
Aquiles Boris, de Fortaleza, amigo particular do pretendente e afeiçoado ao
comerciante João Ramos. Realizou-se porém o casamento, porém dos mais singelos,
o jovem casal se instalara em casa alugada das mais modestas. Estava o
Dr. João Ramos assentando alguns ferrolhos que faltavam na casa quando ali
entrou inopinadamente o coronel Alfredo Dutra, dizendo-lhe que queria que o
casal fosse morar na parte do sobrado que dá para o Beco dos Sete Pecados. Isso
ocorreu em 1907 e ali permaneceu João Ramos até 1921, quando se transferiram
para o sul do País.
Afastei-me propositadamente da ordem de moradia dos habitantes do velho
sobrado, porque é meu desejo estabelecer, tanto quanto possível, uma conexão
entre os Ramos e os Dutras. Mas o obrado teve outros e bem poucos moradores.
Na parte maior, ou seja, a assobradada morou em tempo o coronel Alfredo Dutra,
José de Alencar Matos, irmão do farmacêutico Joaquim de Alencar Matos, ambos
filhos de Baturité, o último dos quais largamente conhecido em razão da Pílula
de Matos. Nessa parte assobradada cheguei a ver ali morando Horácio Dutra sua
mulher Maria Carneiro Dutra e os filhos do casal Erbe e Balkiso. Dona
Maroquinha, como era conhecida, era irmã do médico Dr. José Carneiro, em honra
do qual existe o principal logradouro de Baturité. Na parte menor havia
residido o Juiz Luís Gonzaga Gomes da Silva, parecendo que ali nasceu todos os
seus filhos, inclusive o posteriormente governador Stênio Gomes da Silva.
Já alcançado pela idade, o coronel Alfredo Dutra de Souza residia na fazenda
Açudinho e apenas utilizava o sobrado, na sua parte maior, quando ia a
Baturité. Isso até o ano em que morreu, sob os cuidados do genro e da filha.
Diga-se de passagem, que, embora houvesse sido figura de destaque
em Baturité, com o nome ligado às campanhas políticas que abalaram todo o
Estado naqueles tempos lhe foram negados nessa ocasião os ofícios religiosos
porque era maçon.
O velho casarão ainda hoje conhecido como sobrado do Dr. João Ramos, pertence
ao industrial Raimundo Viana e é do meu conhecimento que o Dr. Marcelo Leite
Barbosa, homem de grandes negócios no Rio de Janeiro, e neto de Alfredo Dutra,
procurou-o em Baturité manifestando-lhe o desejo de comprar o imóvel, para
dar-lhe destinação útil a cidade. No momento em que publico estas notas, o neto
do coronel Alfredo Dutra de Souza já não existe.
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Sobre Maninho
Mario Mendes Junior, bacharel em direito e empresário do ramo de
representações, consagra a este site todo o tempo que pode roubar de sua
estafante atividade, para, em estilo realista, escrever e trazer ao seu leitor,
narrativas, próprias e de terceiros, que são verdadeiros contos de amor à Santa
Terrinha.
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